Como o mundo é curioso. Em 1970, a mera chegada de uma Ferrari 512 para participar das Mil Milhas do Brasil quase causa outra revolução no País. Exageros a parte, a mídia geral ficou alvoroçada, parecia que finalmente o automobilismo brasileiro progrediria, "este é o País que vai pra frente", "ame-o ou deixe-o", etc etc. Afinal de contas, era uma Ferrari do ano. Teve muita gente que foi ao aeroporto recepcionar o carrão italiano. 37 anos depois, quando finalmente a Mil Milhas se torna uma prova importante do calendário internacional, os jornais nem dão cobertura. Não estiveram aqui só um grande carro, mas dezenas de protótipos e GTs de primeira, inclusive a equipe de fábrica da Peugeot, com tecnologia de ponta diesel.
Acho que é a lei da relatividade. Em 1970, afinal de contas, nem tínhamos a F-1 no País, na realidade, o único torneio internacional realizado recentemente, naquela altura, fora o Torneio BUA de Formula Ford, realizado no começo daquele ano. Mas hoje em dia já vimos muitos protótipos e GTs, inclusive am outras Mil Milhas e já tivemos F1, F2, Formula Indy, DTM, Formula Nissan, BPR, F3, Formula Ford, Formula 3000, ETC...Por isso o desdém.
Realmente os tempos estavam mudando no Brasil. O ímpeto inicial, a meu ver, foi a permanência da Alfa P33 com a Equipe Jolly, em 1969. Até então, os carros de corrida estrangeiros que vinham para ficar no Brasil eram velhos e com tecnologia atrasada, ou então, de uma categoria inferior, como o Simca Abarth e Alpine que só ganhavam nas suas respectivas classes na Europa. A própria Alfa P33 ainda não era carro de ganhar muitas corridas na geral, mas antes do fim de 1969 chegariam no Brasil uma Lola T70 e um Ford GT40, dois carros que haviam de fato ganho provas do Campeonato Mundial de Marcas daquele ano, detalhe, em Sebring e Le Mans, duas das provas mais difíeis do calendário. Entravamos na fase dos carros atuais e top of line.
Infelizmente, tanto os T70 como o Ford GT40 não foram muito felizes no Brasil. Os cariocas que importaram os carros tinham pouca experiência, e salvo por vitórias no campeonato carioca, os carros nunca tiveram boa performance em corridas de nível nacional. Apesar dos pesares, estava iniciada a internacionalização e atualização do esporte no Brasil.
Pois a chegada da 512S foi um fato e tanto. Os portugueses que cá vieram nas Mil Milhas de 1967 trouxeram carros mais simples, como Porsche 911, que na época não passava de carro de turismo, Lotus Europa e Ford Cortina, mas a 512S estava num patamar diferente. Afinal de contas, era o único carro a peitar a papona Porsche 917 naquele ano. Entre outros, o modelo fora pilotado por Chris Amon, Jacky Ickx, Derek Bell, Ronnie Peterson, John Surtees, Clay Regazzoni, Arturo Merzario, Mario Andretti, Nino Vacarella e Ignazio Giunti naquele ano, todos pilotos de alta categoria. É certo que os pilotos da 512S no Brasil seriam os mais humildes, italianos Gianpiero Moretti e Corrado Manfredini. O último já havia inclusive corrido por aqui nos anos 50.
Ofuscados pela Ferrari, vieram também uma Alfa 33 3 litros, pilotada por Giovanni Alberti e Carlo Facetti, além de um Fiat Abarth de 2 litros, de Luciano Passoto e Luigi Cabella.
Na corrida, a Ferrari de 5 litros e 550 HP marcou a melhor volta, 2’58”5/10, que se tornou recorde de Interlagos (que seria batido pouco depois na Copa Brasil, por Emerson Fittipaldi com uma Lola de menos de 2 litros!). Foi um marco porque foi a primeira volta abaixo de 3 minutos na pista paulistana. Cinco anos depois, pasmem, o tempo seria batido por Formula Super Ve made in Brazil, além do Hollywood Berta. É certo que Moretti maneirou, o carro poderia fazer 2m40s fácil, fácil, mas o dia foi chuvoso e cheio de neblina, para que arriscar e quebrar o carrão. Moretti era rico, mas não era bobo.
No fim da história, a Ferrari não aguentou o tranco, abandonou, e a vitória terminou nas mãos da Alfa Romeo GTAM de 2 litros, dos irmãos Abílio e Alcides Diniz, da Equipe Jolly. Vitória merecida para uma equipe que literalmente carregou o automobilismo nas costas durante os anos mais difíceis do esporte no Brasil.
Carlos de Paula é tradutor, escritor e historiador de automobilismo baseado em Miami
Acho que é a lei da relatividade. Em 1970, afinal de contas, nem tínhamos a F-1 no País, na realidade, o único torneio internacional realizado recentemente, naquela altura, fora o Torneio BUA de Formula Ford, realizado no começo daquele ano. Mas hoje em dia já vimos muitos protótipos e GTs, inclusive am outras Mil Milhas e já tivemos F1, F2, Formula Indy, DTM, Formula Nissan, BPR, F3, Formula Ford, Formula 3000, ETC...Por isso o desdém.
Realmente os tempos estavam mudando no Brasil. O ímpeto inicial, a meu ver, foi a permanência da Alfa P33 com a Equipe Jolly, em 1969. Até então, os carros de corrida estrangeiros que vinham para ficar no Brasil eram velhos e com tecnologia atrasada, ou então, de uma categoria inferior, como o Simca Abarth e Alpine que só ganhavam nas suas respectivas classes na Europa. A própria Alfa P33 ainda não era carro de ganhar muitas corridas na geral, mas antes do fim de 1969 chegariam no Brasil uma Lola T70 e um Ford GT40, dois carros que haviam de fato ganho provas do Campeonato Mundial de Marcas daquele ano, detalhe, em Sebring e Le Mans, duas das provas mais difíeis do calendário. Entravamos na fase dos carros atuais e top of line.
Infelizmente, tanto os T70 como o Ford GT40 não foram muito felizes no Brasil. Os cariocas que importaram os carros tinham pouca experiência, e salvo por vitórias no campeonato carioca, os carros nunca tiveram boa performance em corridas de nível nacional. Apesar dos pesares, estava iniciada a internacionalização e atualização do esporte no Brasil.
Pois a chegada da 512S foi um fato e tanto. Os portugueses que cá vieram nas Mil Milhas de 1967 trouxeram carros mais simples, como Porsche 911, que na época não passava de carro de turismo, Lotus Europa e Ford Cortina, mas a 512S estava num patamar diferente. Afinal de contas, era o único carro a peitar a papona Porsche 917 naquele ano. Entre outros, o modelo fora pilotado por Chris Amon, Jacky Ickx, Derek Bell, Ronnie Peterson, John Surtees, Clay Regazzoni, Arturo Merzario, Mario Andretti, Nino Vacarella e Ignazio Giunti naquele ano, todos pilotos de alta categoria. É certo que os pilotos da 512S no Brasil seriam os mais humildes, italianos Gianpiero Moretti e Corrado Manfredini. O último já havia inclusive corrido por aqui nos anos 50.
Ofuscados pela Ferrari, vieram também uma Alfa 33 3 litros, pilotada por Giovanni Alberti e Carlo Facetti, além de um Fiat Abarth de 2 litros, de Luciano Passoto e Luigi Cabella.
Na corrida, a Ferrari de 5 litros e 550 HP marcou a melhor volta, 2’58”5/10, que se tornou recorde de Interlagos (que seria batido pouco depois na Copa Brasil, por Emerson Fittipaldi com uma Lola de menos de 2 litros!). Foi um marco porque foi a primeira volta abaixo de 3 minutos na pista paulistana. Cinco anos depois, pasmem, o tempo seria batido por Formula Super Ve made in Brazil, além do Hollywood Berta. É certo que Moretti maneirou, o carro poderia fazer 2m40s fácil, fácil, mas o dia foi chuvoso e cheio de neblina, para que arriscar e quebrar o carrão. Moretti era rico, mas não era bobo.
No fim da história, a Ferrari não aguentou o tranco, abandonou, e a vitória terminou nas mãos da Alfa Romeo GTAM de 2 litros, dos irmãos Abílio e Alcides Diniz, da Equipe Jolly. Vitória merecida para uma equipe que literalmente carregou o automobilismo nas costas durante os anos mais difíceis do esporte no Brasil.
Carlos de Paula é tradutor, escritor e historiador de automobilismo baseado em Miami
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